Por Deus nunca me vi tão só / É a própria fé o que destrói / Estes são dias desleais...
Quando eu acho que não existe mais possibilidade de ficar sem tempo livre pra fazer alguma coisa, a vida me surpreende e me arruma mais responsabilidades pra cumprir. Escrevi sobre o tempo em agosto do ano passado, na época do BEDA. Pensar em BEDA nesse momento é quase um delírio. Tem dias que eu literalmente não tenho tempo nem para comer: preciso fazer um lanche rápido na rua, já que cozinhar se torna impossível.
Estou no 9º período do curso de Psicologia. Poucas vezes falei sobre meu curso por aqui, o que é uma surpresa: esse foi o único aspecto da minha vida que sobrou. Tudo foi morrendo aos poucos, até desaparecer por completo. Mantenho alguns hobbies e assisto séries no final de semana. Encaixo um pouco de lazer nos poucos minutos que existem entre uma responsabilidade e outra. Não fossem esses minutos de lazer, eu já teria surtado. Faço quatro estágios, dois obrigatórios, um extracurricular, um de licenciatura... tenho as disciplinas comuns do curso, mais uma que fiquei devendo, além do projeto da monografia, que preciso escrever esse mês. Meu guarda-roupa está uma bagunça, tenho uma pilha de roupas pra lavar e não sei quando vou fazer isso.
O problema não é só a falta de tempo. Viveria nessa correria numa boa — durmo até melhor —, o problema é a carga que tudo isso traz. Pra poder dar certo, muita coisa tem de ser pensada. Falto um estágio pra ir em outro, uma aula pra ir no estágio, compenso a falta em outro dia... penso em quando vou conseguir ler determinado texto. A roupa precisa ser lavada tal dia... enquanto a água do café ferve, posso adiantar um trabalho. Passo no mercado depois da aula, no banco em determinado dia, de repente a lâmpada queima... Quando percebo, estou exausta, e ainda não são meio dia. Eu gostaria de poder reclamar, mas também me falta tempo pra isso. Reclamar significa que estou gastando meu tempo reclamando, quando poderia gastar meu tempo com outra coisa. Se reclamo com um colega, deixo de conversar sobre algo importante, ou até mesmo combinar algum trabalho a ser feito pras próximas semanas. Não estou exagerando, tem sido assim. E não é só comigo.
Eu calculando como vou resolver minha vida |
Uma das coisas que mais sinto falta é de poder conversar com as pessoas. Consigo desenhar, escrever, fazer crochê ou ouvir música em qualquer intervalo que me sobra. Mas conversar é mais difícil. Meu intervalo precisa bater com o do outro, e tem colegas que já não vejo mais. Não temos mais disciplinas em comum. Aqueles que vejo, as conversas sempre saem com hora marcada: intervalo entre uma aula e outra, descendo o morro na hora de ir pra casa, quando um cliente falta na clínica, quando esbarro em alguém no corredor. As conversas são curtas, rápidas, sempre apressadas, porque não nos sobra energia pra falar. E nem acredito que alguém quer isso. Falo por mim, mas também por muitos outros: queríamos nos desligar por alguns dias e recarregar a energia, como um celular. Dormir não ajuda muito. Nosso cansaço não é físico, é mental, e esse não se cura com horas de sono. É preciso muito mais do que isso. Estamos muito mais cansados que isso. E somos cobrados como se não tivéssemos que lidar com nada disso. Está complicado...