Foto por John-Mark Smith |
Quando li Perdão, Leonard Peacock (um livro que sempre deixo bem claro que me marcou muito), fiquei bastante tocada com um trecho em que Leonard e seu professor conversam sobre uma batalha diária, a batalha que temos que lutar todos os dias para não sermos destruídos pelo mundo. O diálogo é o seguinte:
— Minha vida vai melhorar? Você acredita mesmo nisso? — pergunto, embora eu saiba o que ele vai dizer, o que a maioria dos adultos sente que precisa ser dito quando lhe fazem esta pergunta, embora a enorme quantidade de evidências e experiências de vida sugiram que a vida das pessoas fica cada vez pior até elas morrerem. A maioria dos adultos simplesmente não é feliz, isto é um fato.
Mas eu sei que soará menos mentiroso vindo de Herr Silverman.
— É possível. Se você estiver disposto a fazer com que isso aconteça.
— Acontecer o quê?
— Não deixar o mundo destruí-lo. Essa é uma batalha diária.
Fora de contexto, talvez não seja tão marcante assim. Mas eu vou dar um spoiler: Leonard está com a arma velha de seu avô nas mãos, prestes a se matar, e a única pessoa que parece se importar com ele — seu professor — está tentando impedi-lo de fazer isso. Esse trecho me marcou demais, principalmente porque eu não tinha pensado na vida como "uma batalha diária". A minha visão era muito parecida com a do Leonard: a vida fica cada vez pior até todo mundo morrer. Esse tipo de pensamento não te dá muita força pra levantar de manhã e ir viver. Quando li isso, muitas coisas se tornaram claras para mim.
Vez ou outra eu me sinto tão desanimada, tão sem energia, que minha vontade é de ficar deitada o dia todo e só deixar o tempo passar. Escrevi sobre isso uma vez, "da minha falta de alma". Na verdade, já escrevi sobre isso tantas vezes que eu parei de postar, por se tornar um assunto tão repetitivo que nem eu mesma queria continuar falando sobre ele. De fato, quando esse sentimento vem, eu apenas digo "olá vazio" e vou fazer alguma coisa, só esperando passar. Eu aprendi a lidar, e em parte, devo a reflexão que esse livro me trouxe.
Quando eu li esse diálogo, ano passado, eu compreendi, não meus "vazios" ou porque eles acontecem, mas compreendi que estava perdendo. Perdendo a batalha de todos os dias. Eu também aprendi com a literatura que tudo o que as pessoas querem é "ficar bem". Acredite em mim, já li essas mesmas palavras em vários livros. E eu também queria ficar bem, logo, quando esse vazio aparecia, além do sentimento ruim que era próprio dele, eu também me sentia mal por não estar bem. Eu me sentia mal por todo mundo parecer funcionar normalmente, e eu, ocasionalmente, precisar fazer um esforço imenso só pra levantar da cama. Me sentia mal por tentar falar sobre isso e as pessoas compreenderem como drama, ou, como no post que falei da falta de alma, entrarem numa competição de quem se sentia pior. Tudo isso se somava, e como resultado, eu me entregava a esse sentimento de desânimo, antes mesmo de começar a lutar.
As palavras de Herr Silverman, ainda que sejam de um personagem fictício, me ajudaram a compreender que "ficar bem" não era algo que surgiria na minha vida como passe de mágica, e que alguma coisa ia acontecer, e então eu seria uma pessoa mudada, realizada e completa. Entendi que eu não me transformaria, de uma hora pra outra, em alguém que não sofre de períodos depressivos e que tem uma armadura pra se proteger do mundo. Não, nada disso. Ainda que um dia eu seja essa pessoa, eu precisaria entrar numa longa jornada, e foi o que ficou claro para mim durante a leitura.
Eu entendi que todo dia, principalmente nos dias em que eu não estivesse bem, eu precisaria levantar e travar uma batalha, não com um dragão de sete cabeças, com um chefe malvado ou o trânsito engarrafado, mas comigo mesma, comigo e minha vontade (ou falta dela) de não fazer nada, de apenas ficar deitada, de deixar a vida passar. Precisaria lutar contra meus medos, de falar em público, de me expor, de me aproximar das pessoas. Eu teria fazer um esforço imenso pra tirar o pijama, ir no mercado, ler um livro, começar uma conversa, pegar ônibus, viver minha vida... Eu não seria "uma pessoa que faz coisas naturalmente", mas seria "a pessoa que precisa se esforçar pra fazer tudo naturalmente", e se eu deixasse de fazer as coisas por um dia, e outro, e outro, eu perderia minha "batalha diária" e deixaria o mundo — ou eu mesma — me destruir.
Eu entendi que todo dia, principalmente nos dias em que eu não estivesse bem, eu precisaria levantar e travar uma batalha, não com um dragão de sete cabeças, com um chefe malvado ou o trânsito engarrafado, mas comigo mesma, comigo e minha vontade (ou falta dela) de não fazer nada, de apenas ficar deitada, de deixar a vida passar. Precisaria lutar contra meus medos, de falar em público, de me expor, de me aproximar das pessoas. Eu teria fazer um esforço imenso pra tirar o pijama, ir no mercado, ler um livro, começar uma conversa, pegar ônibus, viver minha vida... Eu não seria "uma pessoa que faz coisas naturalmente", mas seria "a pessoa que precisa se esforçar pra fazer tudo naturalmente", e se eu deixasse de fazer as coisas por um dia, e outro, e outro, eu perderia minha "batalha diária" e deixaria o mundo — ou eu mesma — me destruir.
Parece desesperador a princípio. Eu entrei em pânico quando pensei em fazer todas as coisas, todos os dias, até o fim da vida. Me senti como o Sísifo, do mito: condenada a carregar uma pedra morro acima, só pra ver ela rolar morro abaixo quando eu terminasse. Com uma diferença: a pedra era eu mesma. Imagine enfrentar todos os dias algo que está dentro de você. Um inimigo que não é um inimigo de fato, mas você mesmo. Quase fiquei sem esperanças, num primeiro momento. Mas aí eu percebi que não era tão ruim assim. Quando a pedra desce, Sísifo tem um descanso; o mesmo acontece comigo, quando estou bem, não preciso me esforçar tanto, as coisas acontecem naturalmente. E quando eu não estou bem, só depende de mim. Vejo as minhas tarefas do dia e vou fazendo uma coisa de cada vez, mesmo que contra a minha vontade, sem pensar muito, sem me cobrar muito, um passo de cada vez. Tem funcionado. Sinto que venci a batalha, naquele dia, e tenho esperança de me sentir melhor, no outro. Se não me sentir, é mais um dia a ser enfrentado, um passo de cada vez.
Cada dia é uma batalha, sim. Mas cada dia é uma vitória também. Pessoas "normais" nunca vão entender o sentimento de satisfação e realização que vem ao se fazer coisas extremamente simples, como visitar um parque, terminar a leitura de um livro, tomar um sorvete... O sentimento de gratidão que vem com cada uma dessas pequenas conquistas. Não é só sobre vencer o vazio, o medo e as inseguranças, ou vencer a zona de conforto, é sobre estar viva, e disposta a viver. Eu estou disposta, e essa é a minha batalha diária, qual é a sua?
Cada dia é uma batalha, sim. Mas cada dia é uma vitória também. Pessoas "normais" nunca vão entender o sentimento de satisfação e realização que vem ao se fazer coisas extremamente simples, como visitar um parque, terminar a leitura de um livro, tomar um sorvete... O sentimento de gratidão que vem com cada uma dessas pequenas conquistas. Não é só sobre vencer o vazio, o medo e as inseguranças, ou vencer a zona de conforto, é sobre estar viva, e disposta a viver. Eu estou disposta, e essa é a minha batalha diária, qual é a sua?